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FOTOS QUE EVANGELIZAM

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SEMANA DA FAMÍLIA 2014

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

A FÉ E A FOLIA

Frei Mário Sérgio, ofmcap

Aqui em Aracaju, vive-se o clima de micareta. Uma multidão se dirige para a avenida onde os trios elétricos com seus artistas preferidos farão seu arrastão. No sábado, passei por lá para conferir a festa de rua. Um fato, porém, despertou-me a curiosidade e a atenção. Um grupo de religiosos ostentava cartazes com dizeres apocalípticos, tipo: “O Senhor Jesus está voltando!”, “Sua vida é de Deus!”, “Converta-se enquanto é tempo!”, “O salário do pecado é a morte!”, etc. A multidão passava pra lá, pra cá, indiferentes às mensagens de conversão. Fiquei pensando sobre o impacto que aquelas frases ocasionavam nas pessoas. Não me contive e comecei a interpelar alguns transeuntes. A maioria das respostas foi: eles são uns loucos, aqui não é lugar para isso! Na verdade, a sensação das pessoas era de insulto, provocação, irritação.
É bem verdade que o ambiente é dado a bebedeiras, uso excessivo de drogas, como pude presenciar. É um ambiente de prostituição, adultérios e toda sorte de contra-valores. Vi, também, muitas famílias se divertindo saudavelmente. Ainda temos muitas dificuldades em redimensionar o sagrado e o profano. Continuamos dicotomizando as dimensões de uma mesma e só vida. A fé e a folia não precisam se digladiar nas arenas contemporâneas, muito pelo contrário, a saúde do religioso está em sua capacidade de não exigir que o outro faça o mesmo caminho, trilhe o mesmo credo e compreenda a Deus da mesma forma como esse religioso o compreende. A folia sempre fez parte da fé! Por folia, compreendo a festa, a alegria, a vibração, o entusiasmo. O próprio carnaval (leia-se a festa da carne) tem uma de suas origens do seio do cristianismo medieval. Era a festa, digo, a folia, que preparava o povo para a penitência quaresmal.
Entendo que uma festa carnavalesca pode ser fonte de muitos pecados. Como pode ser fonte de muita alegria. Sei que muitas famílias são destruídas, muitos jovens se drogam, muita violência é praticada, muito dinheiro público é jogado fora... Como, também, reflito com o livro do Eclesiastes que há um tempo para cada coisa debaixo do céu. Se a evangelização não for criativa, educada, civilizada, respeitadora, criticam a Igreja Católica, mas repetem-se as cruzadas e as inquisições de modo silencioso, mas tão agressivo quanto. Muda-se a linguagem. E os métodos? O mundo dispensa religiosos, seja qual for o credo, que só sabem apontar dedos indicando o caminho do inferno. Se a religião não dialogar com a cultura, fazendo-se ponte entre Deus e a humanidade, digo sem medo, o mundo não precisa de religião. Se a religião não humanizar o religioso, ela é tão mortal quanto uma bomba atômica. Temo, por vezes, que aquele tipo de evangelização acabe mostrando uma face de um Deus sem senso de humor, o que é terrível para fé e para folia.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Kiki Joachin: braços abertos para a esperança

Kiki Joachin: braços abertos para a esperança

O terremoto do Haiti, nesses últimos dias, ocupou o noticiário internacional. A imprensa sensacionalista não deixa de tirar proveito da miséria alheia, em nome de uma pseudo-informação. O mundo inteiro se mobiliza para ajudar as vítimas, os coitadinhos. A solidariedade aflora em todos os rincões da humanidade. Como sempre, a tragédia unindo os povos. Mas, a política internacional, que sempre encontra um modo de ganhar com toda e qualquer situação, começa a apontar nações que querem mandar no cenário haitiano e sobressair como o anjo de resgate daquele povo sofredor. Controle do tráfego aéreo, envio de milhões de dólares e, quem sabe, uma neo-colonização. O Brasil também quer seu status da nação-mãe. Nosso efetivo militar está pronto para dobrar o número de heróis, se preciso for.
A última coisa que o povo haitiano queria, para o mundo solidarizar-se com ele, era de uma destruição de tamanha magnitude como a que estamos presenciando. Famílias inteiras acabaram; asilos foram destruídos, creches e escolas se tornaram uma verdadeira sepultura de pessoas inocentes, sonhadoras e desejosas de dignidade respeitada. Uma autoridade do país destruído ainda teve a coragem de dizer: “a tragédia foi boa, assim o mundo olha para nós!”. Até quando o mundo vai manter uma política econômica que mata milhares de irmãos de fome todos os dias pelo mundo afora? Até quando a humanidade ficará esperando catástrofes para abrir o bolso e ajudar os coitadinhos, onde quer que haja necessidade? Parece que o velho Hobbes tinha razão: o homem é lobo do outro homem.
Mas, uma cena de resgate marcou-me profundamente. Milagre da vida! Um fio de esperança dentro do caos. Um garoto passou oito dias debaixo dos escombros, sem comer, sem beber, sem ver a luz do sol, distante dos pais, da família. Mas, certamente, não estava esperando a morte chegar. Kiki Joachin, de oito anos, quando foi resgatado, no último dia 20, saiu de sua possível sepultura de braços abertos e gritando em favor da vida. Todos se emocionaram e gritaram enlouquecidamente. Nem tudo está perdido. Onde há vida, há esperança! Esse garoto nos lembra uma coisa: há um Haiti dentro de nós, perto de nós. Desliguemos nossas TVs, nossos computadores e olhemos ao nosso redor... Há muitos “Kikis” de braços abertos esperando nossa solidariedade, não nossa esmola, mas nossa capacidade de resgatar-lhes suas dignidades vilipendiadas.

http://www.youtube.com/watch?v=9sZDahV0A1o&feature=player_embedded

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Catástrofes e imagem de Deus

O ano de 2010 começa marcado por várias manifestações da natureza. Trágicas? Catastróficas? Apocalípticas? O noticiário se encarrega de adjetivá-las. Eu prefiro ficar do lado do espectador, observando. Sem dúvida alguma, assombrado, mas sem tirar os olhos dos fenômenos. Vidas e mais vidas ceifadas. Povos desesperados, famintos, sedentos, desesperançosos. Os cientistas, estudiosos e intelectuais das mais diversas áreas teorizam sobre os ocorridos. O aquecimento global é apontado como o grande vilão da história, mas já se fala de esfriamento global. Teorias se multiplicam aos milhares. Quando as encostas deslizam, começam a procurar culpados. Governantes descomprometidos com a população? Seria o povo imprudente, que constrói suas casas em lugares de riscos? Enfim, mais teorias.
No meio das teorias, ainda surgem religiosos, das mais diversas confissões e credos, que sempre encontram uma maneira de tirar proveito da situação. Profecias são lembradas, outras inventadas, outras ainda nascem no calor dos acontecimentos. Alguns se assustam, outros se revoltam, outros dão risadas, outros se ofendem, outros ainda confirmam suas teses de que religião é coisa de gente maluca e alienada. E eu continuo no lugar do espectador, observando.
Parece-me que uma pergunta não quer calar: e Deus, onde fica em tudo isso? Omisso, indiferente, sensível ou misericordioso? O que me faz pensar, quando se lança essa pergunta é: o que essa pessoa pensa sobre Deus? Sim, porque se pode criar uma imagem falsa, projetada, distante do que Deus é. Como cristão, acredito no Deus revelado. O que Deus é e não pode não Ser, já foi revelado. Quando o Senhor se comunicou com Moisés pela primeira vez, Ele disse: “Eu vi muito bem a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-lo do poder dos egípcios e para fazê-los subir dessa terra para uma terra fértil e espaçosa, terra onde corre leite e mel”. (Ex 3, 7-8). Não consigo pensar numa imagem de Deus diferente dessa de Moisés e que atinge sua plenitude em Jesus de Nazaré: “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
Nesse Deus eu creio e por Ele dei a minha vida. O que nos resta é cuidar da vida, da natureza e da nossa fé. Assim, não seriam necessárias catástrofes para que a humanidade exercite a solidariedade e a partilha, pois esse seria o nosso modo de ser e não a nossa exceção. Pensemos nisso!

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

TRANSFIGURADOS COM CRISTO

Frei Mário Sérgio, ofmcap

“Naquele tempo, Jesus tomou consigo a Pedro, Tiago e João, e conduziu-os a sós a um alto monte. E transfigurou-se diante deles. Suas vestes tornaram-se resplandecentes e de uma brancura tal, que nenhum lavadeiro sobre a terra as pode fazer assim tão brancas. Apareceram-lhes Elias e Moisés, e falavam com Jesus. Pedro tomou a palavra: Mestre, é bom para nós estarmos aqui; faremos três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias. Com efeito, não sabia o que falava, porque estavam sobremaneira atemorizados. Formou-se então uma nuvem que os encobriu com a sua sombra; e da nuvem veio uma voz: Este é o meu Filho muito amado; ouvi-o. E olhando eles logo em derredor, já não viram ninguém, senão só a Jesus com eles. Ao descerem do monte, proibiu-lhes Jesus que contassem a quem quer que fosse o que tinham visto, até que o Filho do homem houvesse ressurgido dos mortos. E guardaram esta recomendação consigo, perguntando entre si o que significaria: Ser ressuscitado dentre os mortos”. (Marcos 9, 2-10)

Hoje, dia 06 de agosto, a Igreja celebra a festa da Transfiguração do Senhor. Também somos convidados a subir a montanha. Lá em cima o ar é mais puro, o horizonte mais amplo e, numa visão bíblica, Deus está mais próximo. O cume de uma montanha sempre foi cenário de teofanias bíblicas (Theophania: Téo= Deus, Fania= manifestação, aparição). Não é que Deus precise descer para falar com os homens, mas os homens precisam subir das realidades e caminhar até lá onde o céu e o sol ficam mais perto.

O Homem Jesus de Nazaré desvela, na transfiguração (mudança de imagem), a face divina de Deus, presente em união plena de naturezas (humana/divina) Nele. É o antegozo do céu.. Foi a plenitude de sua aparência divina, que se desfigurará na cruz, em outra montanha, no Calvário, ao assumir as dores e os pecados da humanidade. Jesus de Nazaré é o Transfigurado/Desfigurado. O Crucificado/Ressuscitado. Pregar outro Cristo é esvaziar o Evangelho. Acreditar num outro Cristo é seguir uma ilusão. Quando Jesus levou Pedro, Tiago e João para Vê-lo de forma gloriosa, era para que eles não tivessem medo da face ensangüentada, limitada, humilhada, de morte, no dia de sua paixão, também, gloriosa na madeiro.

Não podemos optar por uma figura de Cristo: transfigurada ou desfigurada. Não podemos escolher o Cristo do Tabor (transfigurado) ou do Gólgota (desfigurado/crucificado). Da luz ou da cruz. Precisamos assumir a totalidade do Cristo, rosto divino do homem, rosto humano de Deus. Só assim, seremos transfigurados e transfiguraremos o mundo ao nosso redor.

Somos feitos para a luz, fomos feitos para resplandecer no mundo nosso rosto glorioso, transfigurados pela certeza de que Deus nos ama e nos quer, no protege e nos guia... Mas, por vezes, somos tomados pelas dores e feridas do nosso próprio viver, e nos desfiguramos, perdemos a beleza de sermos verdadeiras imagens de Deus. Meu ódio me desfigura, só o amor transfigura! Minha baixa auto-estima me desfigura, só o meu amor próprio me transfigura! A mágoa que guardo me desfigura, só o perdão que dou e me dou me transfigura! Minha prepotência e arrogância me desfiguram, só minha humildade e leveza me transfiguram.

O desejo de Pedro é, por vezes, o nosso também: “Mestre, é bom para nós estarmos aqui!” Quem um dia experimentou o céu, nunca mais terá vontade de voltar para a vida chata, problemática, confusa, medíocre, rotineira, desgastante de sempre... Jesus, Mestre em não nos deixar cair em tentação, lembra para Pedro e para nós também: a vida não é tecida, apenas, de retalhos de tristezas, sofrimentos e dores, tem algo mais para apreciar. Assim, quem foge dela (é bom estarmos aqui) pode correr o risco de não experimentar o lado transfigurado que Deus nos proporciona... Faça da sua desfiguração uma bela, resplandecente e gloriosa transfiguração. O convite de Jesus para descer da montanha é, exatamente, o desafio que Ele nos lança: mergulhar em nossos limites, fragilidades, pobrezas, crises e vislumbrar, e disso somos capazes, a fagulha de eternidade que ainda teima em brilhar e arder dentro do nosso ser.

SEDE DE DEUS

Frei Mário Sérgio, ofmcap.

Uma das experiências mais fortes para se falar da necessidade de Deus na vida da pessoa é a sede. Sem dúvida alguma, o fato da bíblia ter nascido de povos do deserto, nada mais lógico do que falar de Deus a partir da realidade em que se vive. Deserto é lugar de falta, de privação, de necessidades... Dentre elas, a necessidade de água para sobreviver. O deserto é o lugar dos “anjos e dos demônios”, espaço transitório, onde o destino se vai descobrindo à medida que se vai avançando. Ocasião de descoberta dos sinais de Deus.
A aridez espiritual é uma das grandes queixas das pessoas ultimamente. Falta de coragem para rezar, a famosa falta de tempo para as coisas de Deus, falta de ânimo, de entusiasmo, preguiça. É o momento de deserto de cada um. Continuamos homens e mulheres do deserto. Sedentos, cansados, fatigados, decepcionados, em busca permanente, construindo a própria estrada, partilhando o reduzido cantil, tendo a promessa como horizonte, a sede como certeza.
O salmista (41,2-3) partilha sua experiência de sede: “Como a corça suspira pelas águas da torrente, assim minha alma suspira por vós, Senhor. Minha alma tem sede do Deus vivo”. Só a fé nos faz caminhar no deserto, quando o destino é incerto, quando a dúvida é o alimento e quando o horizonte é o desalento. Muitas vezes somos cisternas secas. Vazias de Deus, porque vazias de nós mesmos. Não acreditamos no potencial da fé que carregamos dentro do nosso ser, como que um selo desde a nossa concepção. Somos ricos da graça de Deus e nos conformamos com a mendicância do nosso próprio sentido de viver, porque todos os dias procuramos no poço das nossas rotinas a água que não mata a sede. Mas, também, vivemos na insatisfação e na procura permanente de uma água viva que dura para sempre, e todos acabamos por encontrá-la na pessoa de Cristo.
Ser cristão é mais que professar uma religião. É iniciar uma experiência de vida. Pergunto para você: para que morrer de sede com uma fonte de água cristalina tão perto do seu alcance, tão dentro de sua vida, tão impregnada no seu ser? Não adianta fugir de Deus, correr para longe dele, esconder-se. Não adianta querer saciar sua sede de infinito, de sentido da vida, de realização pessoal bebendo de outras águas, às vezes sujas, duvidosas... Só Deus tem a água certa para sua sede!
Quando nós procuramos a Deus é porque Ele já havia perguntado por nós. Deus ama todas as pessoas sem se repetir em ninguém, é amor personalizado. É pena que temos sede de Deus, mas nem sempre temos coragem de pegar a água que Ele tem nos ofertado largamente. É só estender a mão. Ele entende nosso mais tímido olhar. Compreende o gesto mais simples de que somos capazes de dirigir-Lhe. Uma coisa é certa: morremos de sede espiritual porque queremos, água viva nunca nos falta!
Muita sede se mata com pouca água. É com esse paradoxo que finalizo essa reflexão. Um período longo de sede debilita o corpo, que perde, para além de água, sais minerais, que controlam a entrada e a saída de líquido nas células. Nesse caso, água em excesso ocasiona um inchaço nas células! Se esse inchaço for no cérebro, pode matar! Aproxime-se de Deus aos poucos, devagar, sem pressa... Beba lentamente da água do Espírito. Sinta o seu espírito se revigorar aos poucos, gradativamente. É hora de bebida isotônica, que contenham sais minerais (leitura da Palavra de Deus, vida de oração cotidiana, vida de sacramentos, prática da caridade, etc.). De Deus, sempre teremos sede. E o poço está sempre à frente, por isso caminhemos com nossos cântaros na certeza de que Jesus, o Bom Pastor, sempre nos dará água viva que jorra do seu coração.

SEREI O AMOR

Frei Mário Sérgio, ofmcap


“Águas torrenciais jamais apagarão o amor, nem rios poderão afogá-lo. Se alguém oferecesse todas as riquezas de sua casa para comprar o amor, seria tratado com desprezo”. (Cântico dos Cânticos 8,7)

O amor é a experiência mais profunda e divinal que a pessoa humana pode realizar em sua vida. Amar desvela o divino em nós! Afinal, o amor foi a matéria prima da criação. O que foi gerado no amor, outra coisa não pode ser senão amor. O amor é a extraordinária energia que faz a vida desabrochar. Perde tempo quem passa pela vida e não ama. Só o amor nos diz quem, verdadeiramente, somos!
Santa Teresinha do Menino Jesus, cuja memória celebramos hoje, monja carmelitana, de clausura, tinha um enorme desejo de ser missionária. Porém, era de vida contemplativa, não podia sair do Convento. Mesmo assim, seu ardor missionário nunca se extinguiu. Ela descobriu um modo de se realizar plenamente em sua vocação: “No coração da Igreja, minha mãe, serei o amor. Com o amor serei tudo”. O amor é um itinerário espiritual da santidade, reservado a todos para se chegar a Deus. Tudo o que conta é o amor, dom dado a todos para viver, para morrer e ressuscitar no AMOR MAIOR.
A experiência de Teresinha não era a de amar, simplesmente, mas de ser o amor. Em tudo o que ela realizava em sua vida, era como se o próprio amor o fizesse. Podemos achar uma pretensão muito grande dessa jovem. Na perspectiva cristã é, perfeitamente, possível e necessário. Possível porque somos convidados a viver os mesmos sentimentos do Cristo Jesus, que é Puro Amor. Necessário porque sem a vivência radical do amor, a pessoa não vive a plenitude do seu ser. Amar para ser!
Mesmo para quem não crer, o amor continua sendo uma verdade. Quantos homens e mulheres, que se disseram ateus, foram e são capazes de gestos grandiosos de amor? O amor não é propriedade privada de nenhuma religião, muito menos do cristianismo. O que o cristianismo faz é plenificar de sentido o amor, aliás, o próprio Deus se chama Amor. A humanidade precisa dar um basta a toda matança em nome de Deus (Amor), a todo preconceito em nome de Deus (Amor), a toda promessa de vida fácil e próspera em nome de Deus (Amor), a toda mercantilização da fé em nome de Deus (Amor). Quanto mais amamos, mais compreensivos e tolerantes nos tornamos. É próprio do amor o sacrifício. Quem ama sacrifica tudo por todos. Quantos ateus dividem suas fortunas, pesquisam pelo progresso das ciências, desenvolvem tecnologias, e tantas outras maravilhas... Mesmo não professando um credo, fica implícito que amam. Sem amor, nunca se faz nada pelo semelhante!
Santa Teresinha quis ser o amor na Igreja. Nós podemos sê-lo em tantos outros lugares: na família, no matrimônio, no trabalho, com os amigos, na sociedade. O medo de amar é muito maior do que parece no seio da sociedade contemporânea. As pessoas, vitimadas pelas ambições imediatistas, negociam o prazer que denominam como amor ou impõem-se ser amadas, como se tal conquista fosse resultado de determinados condicionamentos ou exigências, que sempre resultam em fracasso. Não tenha medo de ser amor para o mundo. Não tenha medo de lançar-se nessa aventura de amar. Não tenha medo de se perceber nadando contra a corrente do desamor que campeia nossas relações interpessoais, familiares, conjugais, profissionais.
Um pouco de poesia, para deixar o amor fluir: “O Amor tem feito coisas (...) já curou desenganados, já fechou tantas feridas! O Amor junta os pedaços quando o coração se quebra... Fica tão cicatrizado que ninguém diz que é colado”. (Ivan Lins). Se algum dia o vaso que é você se quebrou, rompeu, trincou, deixa Jesus, o oleiro do Pai, juntar seus pedaços; Se alguma experiência dolorida de relacionamento lhe fechou o coração, deixa Jesus abri-lo para uma nova experiência de amor; Se, por uma desventura, você não acredita mais no amor, lembre-se: desacreditar do amor é assinar sua carta de infelicidade para sempre. Por fim, evoco uma belíssima frase de Santo Agostinho: “Ama e faze o que queres!”.

DAR A OUTRA FACE

Frei Mário Sérgio, ofmcap

“Se alguém te der uma bofetada numa face, oferece também a outra” (Lc 6,29b).

A leitura do evangelho da missa dessa quinta-feira (10/09) é uma exortação que Jesus dirige aos seus discípulos sobre o modo de ser daquele e daquela que se propõem ao seu seguimento. Dentre as tantas observações, Jesus convida a dar a outra face. Soa, quase, como uma bofetada em nosso ego, em nosso ser, em nosso orgulho. Teria, Jesus, sacramentado a covardia? Incentivado a fraqueza? Exaltado a subserviência? Um olhar superficial sobre o texto, leva-nos, inexoravelmente, a uma dessas conclusões... Ou outras tantas.

A Antropologia Teológica, na sua visão de homem, lembra-nos de que somos “Imago Dei”, isto é, imagem de Deus. O sagrado armou sua tenda em nossa humanidade. Plasmou sua marca em nosso ser. Somos territórios do sagrado. Fomos feitos do amor e para o amor. Quem não ama, desumaniza-se, pois o amor é a realização plena de nossa pessoalidade. Partimos do pressuposto de que o homem é bom por natureza. Claro, foi feito do amor, não poderia ser diferente. Mas, ao longo de sua história pessoal, social, religiosa, familiar e tantas outras, pode ter se esquecido dessa verdade, e ter se tornado uma pessoa má, agressiva, desfigurada, violenta, violentada... Quando o homem dá uma bofetada, ele se esqueceu de sua origem e de seu destino, quando, pelo contrário, ele concede a outra face, é porque nunca se permitiu afastar-se de seu próprio ser, vocacionado para o amor. Portanto, quem é maior: quem bate ou quem concede a outra face?

A cultura do ódio, da revanche, do revide, da vingança está tão impregnada em nosso modo de agir que não aceitamos, em absoluto, dar a outra face. Relembrar histórias de mágoas, de ressentimentos, de rejeições, de humilhações e, ainda, pensar na possibilidade de dar a outra face, parece-nos uma obra para gigantes, o que não somos. Violência só gera violência, como agressividade só gera mais agressividade. É insuportável para o agressor perceber que sua vítima não reage. Revidar potencializa a agressão. Não-revidar envergonha o agressor. Dar a outra face é manter a paz interior mesmo quando ela está, exteriormente, ameaçada. Essa intuição psicológica de Jesus de Nazaré é espetacular. Dar a outra face é promover uma cultura da paz, da compreensão, da fraternidade. Dar a outra face é um caminho seguro de libertação e de felicidade, não mediante uma estúpida passividade, mas pela força ativa do perdão e do amor.

Todos somos muito bons e educados quando sorriem para nós, quando tudo ocorre do nosso modo e de nosso gosto; mas perdemos, facilmente, tal compostura diante de qualquer contratempo, desatenção ou mau trato. Às vezes nosso amor cristão é um verniz superficial que fica arranhado ao menor contato. Se o amor não for a meta da nossa vida, tudo o mais será em vão. Jesus nunca nos proporia um modo de ser e de viver que nos fosse, humanamente, impossível; ou que não nos realizasse como pessoas. Se Ele nos convida a dar a outra face, é porque é o melhor para nós. Existem atitudes que não são fáceis de teorizar, mas são, extremamente, compreendidas quando colocadas em prática. Aí diremos: então foi isso que Jesus queira dizer... agora eu entendo!

Dar a outra face não pode ser um ato de covardia, nem de medo. Não foi isso que Jesus quis ensinar. Dar a outra face é perceber o outro para além de sua agressividade e violência. Descobrir os motivos do outro para tanta truculência, sua feridas interiores. Amadurecer a personalidade, as emoções, o conceito de si próprio, são largas vantagens de quem se aventura na desventura de dar a outra face. Por fim, uma última palavra sobre o tema: e quando somos nós quem desferimos o tapa no rosto do outro, a famosa bofetada? Como nos sentimos depois do golpe? Lembremo-nos: toda bofetada, todo tapa, toda agressividade de que sou causador, só nos faz perceber como somos fracos e covardes. Ajude-nos a intercessão de São Francisco de Assis, que no poema atribuído à sua autoria, dizia: amar que ser amado, pois é dando que se recebe, é perdoando que se é perdoado.

A GRAÇA DO PERDÃO

Frei Mário Sérgio, ofmcap
A matéria prima da criação é o amor. Quando a Trindade transbordou o amor entre Eles, o mundo foi criado. No centro dessa criação, encontra-se a pessoa humana, excelência desse amor criacional. Criados no amor, para o amor. Qualquer tentativa de viver à margem desse amor é uma descaracterização da pessoalidade. Amar é a condição de ser. Podemos fazer tudo, como nos lembra São Paulo, mas se não tivermos o amor de nada seria ou valeria. O amor tudo crê, tudo espera, tudo suporta, tudo alcança. Não é rancoroso, nem se encoleriza, não sente inveja ou se envaidece. Lembra-nos o Cântico dos cânticos, águas torrenciais jamais apagarão amor, nem rios poderão afogá-lo. Por isso, São João vai dizer: quem não ama, não conhece a Deus porque Deus é Amor.
Não se pode falar de perdão sem lembrar do pressuposto do amor. Foi para amar que Deus nos criou. O perdão que ofereço, na verdade, é uma prova da minha capacidade de ser melhor. Quem perdoa, é o maior beneficiário do perdão. Por vários motivos: lembra-me a raiz originária do meu ser, recorda-me que o outro é capaz de refazer seus erros, configura-me ao coração amoroso de Jesus, e, o melhor, hominiza-me. E tantos outros benefícios. Acrescente os seus!
Quem sente dificuldade em perdoar, sente dificuldade em amar. Quem não consegue perdoar o outro, tão pouco consegue se perdoar. Perdoar é entrar na dinâmica do amor que se dá, e do amor que se recebe. Amar é movimentar-se, gratuitamente, na direção do outro. Não há expectativa de retorno. Não há frustração caso não haja reciprocidade. Se houver retorno pelo amor que se dá, isto faz bem, ajuda a existir plenamente, mas não se depende do amor retribuído para existir e amar. São Francisco, no século XIII, já intuíra essa verdade: Amar que ser amado!
Perdoar é liberar toda capacidade de amar que guardo dentro de mim e que não me pertence. Meu amor não é meu, é do outro. Perdoar é dizer não ao egocentrismo, que mata as relações humanas. O egocentrismo prejudica as relações, pois vai no sentido inverso da verdadeira fonte de vida: o amor gratuito. Quem cultiva ódio adoece, envelhece precocemente e até se auto-elimina, da forma mais dolorosa. Cientificamente, segundo especialistas, ódio, ressentimento e mágoa provocam aumento da pressão sangüínea, do batimento cardíaco e da tensão nos músculos. Perdoar é mais barato e mais saudável!
Com a palavra, o Mestre do Perdão, Jesus de Nazaré: “Pai, perdoa-lhes, eles não sabem o que estão fazendo!” (Lc 23, 34). Essas palavras foram pronunciadas, por Jesus, quando os pregos dilacerantes lhes rasgavam a carne na hora da crucifixão. Uma dor indescritível foi experimentada por Ele. A dor do abandono, da incompreensão, da rejeição, da calúnia e da difamação, do ódio do coração humano contra Ele, do silêncio absurdo do Pai... Ali, na cruz, na dor, Jesus se desfigurou humanamente, mas não perdeu a imagem do Divino que habitava seu ser. Ele foi capaz de tudo, menos de deixar de amar. Importava, para Jesus, que Ele não perdesse o foco de sua missão e de sua pessoalidade: o amor. Nem a cruz nem a morte foram capazes de arrancar o amor-perdão do Coração de Jesus. Tenhamos os mesmos sentimentos de Cristo e sejamos felizes, mesmo com os percalços e as intempéries que nos sobressaltam. Amar é o melhor remédio para viver bem! A pior raiva é a que se guarda! Não perca tempo, perdoe agora mesmo!

A graça supõe a natureza

Frei Mário Sérgio, ofmcap

Quem foi que nunca se sentiu abandonado por Deus? Quem nunca teve a sensação de estar rezando em vão? Quem nunca disse: eu rezo, mas nada muda em minha vida, em meu casamento, em minha família, em meu ambiente de trabalho? Nossa relação com Deus, por vezes, é muito confusa. Na verdade, precisamos curar a imagem que temos de Deus. É importante lembrar que fomos feitos à sua imagem e semelhança e não o contrário. Esse contrário, projetar um deus às nossas necessidades, é ateísmo. A questão é simples: como tenho colaborado para a graça de Deus mudar a minha vida?
A Graça é a vida de Deus na vida do homem. É um dom, por isso, ninguém a recebe por mérito próprio, mas pela benevolência de Deus. Mas, a Graça só opera na vida de quem se abre à sua intervenção. A graça não agride a liberdade humana, tão sagrada aos olhos de Deus. Muitas vezes queremos curas, milagres, transformações. Publicamos aos quatro cantos que acreditamos no Deus do impossível. Porém, o nosso coração se abriu à Graça Divina? A Graça é um dom que ajuda a natureza humana a agir bem! A Graça é o socorro divino à natureza humana ferida pelo pecado que a despessoalizou (neologismo!).
A colaboração humana é imprescindível para que a graça opere no ser de cada um. Nós agimos, mas Deus opera em nosso agir. Natureza e graça não são forças que se opõem, mas que se irmanam, se ajudam. Creio que em todo coração humano existe um desejo profundo de ser melhor, de ser mais, de se curar das feridas, de ser considerada uma pessoa boa, justa, fraterna, equilibrada. No fundo, todos querem acertar, cada um ao seu modo particular. Porém, se nos deixarmos levar pelas nossas conveniências, pelos nossos achismos, pelos nossos preconceitos, pelos nossos quereres, fazemos do outro um objeto de nossas manipulações.
Viver é conviver! Nossa presença nos lugares, por certo, torna-se um peso, um desconforto, motivo de irritações, chateações, porque não queremos mudar nosso modo de ser e de agir. E ninguém tem a obrigação de suportar a nossa natureza desencontrada. E, ainda, há que diga: eu sou assim mesmo e não mudo! Ora, a Graça é, exatamente, para nos mudar. Para aperfeiçoar a nossa natureza decaída. Dizer que não muda, é o mesmo que dizer que Deus não é capaz de transformar-me, o que seria um absurdo! Deixar a Graça agir é dolorido demais. Cauterizar nossos pecados pode ser uma experiência de sofrimento, mas, sobretudo, de cura. Por isso, prefere-se dizer: sou assim e não mudo. Isto é, não quero sentir a dor que minha mudança me provocará.
Como posso colaborar com a Graça? Algumas pistas: pela fé, abrir o coração para a vontade de Deus; querer mudar de vida; agir menos pelos impulsos e mais pela obediência à Palavra de Deus; ter os limites sempre à sua frente e assumi-los como parte de sua vida, tornado-os aliados potenciais de sua mudança interior; despertar para consciência de que fui feito para o bem; praticar o amor, o perdão e a misericórdia. E muito mais! Espero que você tenha compreendido, um pouco, porque você reza, pede a Deus alguma coisa, alguma libertação, alguma cura interior, uma transformação em seu ambiente familiar ou profissional, e não se sente contemplado em seus pedidos: você se abriu, verdadeiramente, à Graça de Deus? Lembre-se, a Graça supõe a natureza humana. E a aperfeiçoa. (Santo Tomás de Aquino).
Sem o seu esforço pessoal, na vida de oração, no combate espiritual cotidiano, você pode morrer de pedir, mas nunca vai experimentar a graça da mudança, da conversão. Deus não pode lhe salvar sem sua permissão. “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e com ele cearei, e ele, Comigo” (Ap 3.20). Jesus espera ouvir a voz do seu interior para entrar em sua casa.

HOJE É SEU DIA DE SER FELIZ

Frei Mário Sérgio, ofmcap

Parece um título para vender livros de auto-ajuda, como existem muitos no mercado. Como, também, parece um grito de incentivo para alguém desanimado, angustiado, sofrido. Ou, uma propaganda que cria uma necessidade em nós, despertando um vazio que existe no nosso ser, oferecendo o seu produto para saciar nossa sede de sentido da vida. Esse título evoca a grande verdade trazida por Jesus de Nazaré, homem-Deus, rosto divino do homem, rosto humano de Deus. A vida apostólica de Jesus foi uma constante transmissão dessa alegria messiânica. Quando Ele devolvia a vida, trazia os excluídos para o meio, levantava os caídos, ressuscitava os mortos e os vivos, todos sentiam a inebriante alegria que vinha, como vinho, do coração misericordioso de Jesus.

A palavra hoje não pode ser entendida, apenas, como um marco cronológico, vazio de sentido... Palavra carregada de fugacidade, tão volátil como o éter... O hoje é esse exato momento em que falo ou digito, que não mais existe, tornou-se passado. Não há tempo sagrado e tempo profano. Todo o tempo é de Deus. Ao movimento, equilíbrio e sucessão dos corpos celestes e sua relação com a terra, convencionamos chamar de Kronos – tempo, a duração das coisas; à passagem de Deus pela história, transcendendo o universo e o tempo, convencionou-se chamar de Kairos – graça, o espaço da salvação. Deus comanda o único relógio. Por isso, o ano, ao mesmo tempo em que faz caminhar a sucessão das coisas ao ritmo do cosmo, celebra também a passagem de Deus, ao ritmo dos homens.

Hoje é tempo de ser feliz! Deus quer realizar um Kairos em nosso Kronos cansado e fatigado, sem esperanças e sem sonhos... O tempo de Deus se chama hoje. É preciso dilatar o coração, alargar o espaço, mover as mobilhas, remover o excesso, arrumar as gavetas do existir, Deus quer cear contigo hoje. Deixe a salvação de Deus entrar em sua casa hoje. Somos e estamos sozinhos nessa longa caminhada, porque não tivemos a gentileza e a humildade de convidar o Cristo para caminhar conosco, deixando-nos arder o coração quando ouvimos sua voz, suave e doce, delicada e forte, terna e vigorosa. É mil vezes melhor perder a vida do que enterrá-la na sepultura do medo. Não tenha medo de ser feliz... Não dói, nem arde, nem machuca! Por mais que caiamos na vida, nunca cairemos mais fundo do que nos braços de Deus. Ele nos cerca, todos os dias, de carinho e proteção.

Não se prenda ao que está à direita ou à esquerda. Olhe para frente, siga Jesus. Existe só uma forma de se falar de Deus para a Humanidade: quando nas asas de nossa fala, transportamos o humano para Deus. Não tenha medo de ser gente, de ser pessoa. Não tenha vergonha de seus cacos, do vaso de argila que é a sua vida, que por motivos tantos se partiu. Deus sabe de que barro nós fomos criados. Nós poderíamos ter sido felizes ontem, mas virou passado; podemos planejar nossa felicidade para o amanhã, que ainda não nos pertence, nem nunca pertencerá... Resta-me o hoje para ser feliz. Prender-se ao passado é insistir na dor das feridas não cicatrizadas da alma; Lançar-se no futuro é fugir do tempo. É o hoje que me desafia à felicidade. Se sou feliz hoje, o passado tem sentido e o futuro tem sonhos.

Pensar a felicidade é bom, sonhá-la, é melhor ainda. Mendigos somos quando refletimos e deuses somos quando sonhamos. Hoje é seu dia de ser feliz!

Esperar contra toda esperança

ESPERAR CONTRA TODA ESPERANÇA

Frei Mário Sérgio, ofmcap

Dentre as figuras bíblicas do Primeiro Testamento, uma alcança um relevo espetacular: Abraão. Nascido em Ur, região da Caldéia, ao sul da Mesopotâmia, é descendente direto daqueles que sobreviveram ao dilúvio. Casou-se com Sara, que não lhe deu descendência. Na idade de 75 anos, o Senhor lhe faz uma promessa: “Deixa tua terra, tua família e a casa de teu pai e vai para a terra que eu te mostrar. Farei de ti uma grande nação; eu te abençoarei e exaltarei o teu nome, e tu serás uma fonte de bênçãos. Abençoarei aqueles que te abençoarem, e amaldiçoarei aqueles que te amaldiçoarem; todas as famílias da terra serão benditas em ti.” (Gn 12, 1-2). Mesmo com a idade avançada, a esterilidade da esposa, os perigos da viagem, ele saiu confiando na promessa de que seria pai de uma multidão, conforme a etimologia de seu próprio nome (Abraão: pai de muitas nações). Abraão confia sem questionar. Lança-se a caminho sem temer os perigos da estrada. E vai em busca da terra que corre leite e mel. Nada se constituiu um problema para Abraão acreditar no Deus do impossível. Simplesmente acreditou! Como ser pai de uma multidão, se ele não tinha nenhum filho àquela altura da vida? Mas, com a idade de 100 anos e Sara com 90 anos, eles tiveram um filho: Isaac. Deus cumpre a promessa que fez a Abraão. O filho veio no tempo de Deus, não no tempo do homem. Mas, Abraão soube esperar a realização do milagre; soube esperar o tempo de Deus.
Depois da grande alegria que tomou conta do coração de Abraão e de Sara, o nascimento de Isaac, depois dela ter o ventre morto, infértil, Deus exige o sacrifício do filho. Deus disse: “Toma teu filho, teu único filho a quem tanto amas, Isaac; e vai à terra de Moriá, onde tu o oferecerás em holocausto sobre um dos montes que eu te indicar.” (Gn 22, 2). Deus prova a fé de Abraão. E, na obediência absoluta à vontade de Deus, ele toma seu filho e o leva para o sacrifício sem se quer perguntar a Deus os motivos de tal exigência. Quando Abraão erigiu o altar e arrumou tudo para o sacrifício, amarrou seu filho e levantou a faca para imolá-lo. Um anjo do Senhor apareceu e disse: “Abraão! Abraão!” “Eis-me aqui!” Não estendas a tua mão contra o menino, e não lhe faças nada. Agora eu sei que temes a Deus, pois não me recusaste teu próprio filho, teu filho único.” (Gn 22, 11-12). Se tivéssemos a fé de Abraão, seríamos outras pessoas. Se Deus fosse uma realidade tão forte em nossas vidas, como O fora na vida de Abraão, seríamos outras pessoas. Se nossos questionamentos não nos atormentassem tanto, se nossas dúvidas não nos amedrontassem tanto, se nossas inseguranças não nos paralisassem tanto, seríamos outras pessoas.
Somos fracos na fé! Uma doença nos derruba, um problema familiar nos desanima, um desemprego nos desespera, uma dificuldade, seja ela qual for, nos tira a fé com muita facilidade. Constantemente perguntamos onde Deus estava no momento em que mais precisávamos Dele. E Ele nos deu o silêncio por resposta! Quanto mais gritamos na hora de nossa dor, menos ouvimos a canção de ninar que Deus entoa aos nossos ouvidos. Canção que acalma, suaviza, sereniza, fortalece, encoraja. Se tivéssemos a fé de Abraão, seríamos outras pessoas.
É na dor que o Senhor nos prova, não na alegria. É na minha experiência de limite, quando penso que tudo acabou, que Deus ainda exige o que eu penso não possuir mais: fé e coragem! A cana, mesmo esmagada, continua a dar doçura. Quem tem fé, possui uma sabedoria para viver e enfrentar as dificuldades que ninguém é capaz de explicar. Quem tem fé, aprende a ler o negativo, o doloroso e o frustrante com olhos de eternidade. O olhar da esperança cristã não se nutre da despreocupação pelo humano, mas da percepção humana a partir do coração de Deus. Eu creio, Senhor, mas aumentai a minha fé!
Se nós tivéssemos fé, dizia Frei Prudente Nery, mesmo pequena como um grão de mostarda..., assegura-nos Jesus de Nazaré, bem outra poderia ser a nossa vida. Então, jamais nos renderíamos, em desânimo, à face das provas e dificuldades. E teríamos a tenacidade de sofrer as demoras de Deus (Eclo 2, 1-6) e, apesar de todas as escuridões, caminharíamos ao encontro de um novo dia. E, malgrado todos os reveses, resistiríamos, na esperança de que, no ventre do hoje, está sendo gestado um novo amanhã, mais justo, mais belo... Na fé, creríamos que nem tudo está terminado e daríamos um passo e mais outro e outro mais, por sobre todos os montes e montanhas, na direção de novas possibilidades, por sabermos que o destino do mundo e de nossa vida não está nas garras das adversidades, mas nas mãos invisíveis e benévolas de Deus. Na fé, saberíamos que somos, sim, mais fortes do que nos prescrevem nosso desânimo e nossas aparentes fragilidades e veríamos que o lugar em que ora nos encontramos, plantados quais árvores não precisa ser o lugar de nosso fim. Que podemos, sim, arrancar-nos dessa fixidez e transportar-nos para os horizontes de outras e amplas paisagens. Se tivéssemos fé... Grandes seríamos, os homens e mundo.